quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Atravesso o corredor e passa por mim um casal, um homem e uma mulher apenas, nada mais sei. Acho-os estranhos, vão a sorrir, a falar alto e até parece que saltitam. Ao  cruzarmo-nos, eu e o homem fitamos os olhos um do outro. Os seus olhos parecem tornar-se mais intensos a cada ínfima parte dos poucos segundos que passaram, e mais profundos, como se pudesse mergulhar neles. Tento percebe-lo, parece que tenho alguma coisa a aprender.
Eles vão-se e passa por mim um menino traquina, um menino a fazer disparates. Agarro-o e dou-lhe uma palmada. Doi-me a mim, doi-me tanto no mesmo lugar que lhe bati. Ele volta a ser travesso, faz ainda pior, parece que de propósito, parece que troça de mim.
Indignada dou-lhe outra palmada.
Céus! A dor é ainda pior, lancinante.              E ele porta-se ainda pior.
Tomada pela raiva bato-lhe incessantemente.               A dor deixa-me no chão incapaz.
Em agonia levanto a cabeça, olho o rapaz que agora está quieto, ele olha-me com uma expressão de compreensão, mas eu não o compreendo.
O rapaz fecha os olhos e parece que o seu corpo se inania.
Arrasto-me até ele apavorada, ainda cheia de dores. Não entendo, olho em volta, mas a minha visão turva-se pelas lágrimas (em possesso desespero) .
Um vulto, é o homem que se aproxima. Eu não entendo, não consigo explicar-lhe. E ele levanta a criança do chão e abraça-a junto a si, os rostos quase colados.
Absolutamente surreal, o homem entreabre a boca e deixa fluir um encanto dourado em direção à boca do rapaz, também aberta. Os meus olhos incapazes, do meu corpo incapaz, arregalam-se.

Está curado, disse o homem.


(E a minha ignorância? Quem ma cura?)

A medida das pessoas

Existem umas palavras mais fáceis que outras, nisso as palavras devem ser um pouco como as pessoas. Eu gosto de conhecer palavras, de brincar com elas na minha cabeça, no papel, na minha boca...

As hipóteses mais frequentes:
- Oh ... fala lá de outra maneira que não se percebe nada!
- Ah! Muito bem! Muito bonito.
- Não percebi, o que é que isso quer dizer? (das três, valorizo mais estas; e têm toda a minha paciência e atenção)

...é claro, que ainda existe quem te acompanhe e supere. E sabe tão bem a companhia dessas pessoas.



"O preço de uma pessoa vê-se na maneira como gosta de utilizar as palavras. Lê-se nos olhos das pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um."
Almada Negreiros, Poesia